Nos 100 anos de “A Batalha”, um documento a recordar: 'Às armas, portanto!'
Março 23, 2019
PROCLAMAÇÃO AO OPERARIADO DE LISBOA
Mais uma vez no desenrolar dos acontecimentos políticos para os quais em nada contribuímos, se põem em jogo macabro a sorte dos operários, das vítimas seculares de todas as suas tranquibérnias.
Apesar, porém, da situação especial e do alheamento que devemos manter ante o escabujar da demência burgueza, neste agonizar de lutas sangrentas provocadas pela sêde de mando, não podemos, contudo, na presente emergência, conservarmo-nos impassíveis, em apertada obediência aos princípios por que nos norteamos. É que a fatalidade dos acontecimentos adregados no meio em que sômos forçados a viver, arrastam-nos para o fragôr da contenda, se não quizermos perder as débeis liberdades que fruímos.
Já não se trata só de defender políticos: é preciso defender camaradas nossos, é preciso manifestarmos a todos os dominantes que a classe trabalhadora existe como uma força organizada, com quem se deve contar, e que, apesar de tudo, ainda mais uma vez está disposta a combater pela República, não pelas garantias que lhe têm dado, mas pelo princípio de liberdade que ela encarna e que os trabalhadores antevêem no horizonte amplo das suas aspirações.
É certo, indubitável e tristemente certo, que a acção dos operários por significativa e valiosa que seja, é esquecida ao outro dia da vitória quando as corujas se começam a apropinquar da célebre lâmpada de azeite; mas há um princípio sagrado a defender, princípio a que todo o operário consciente imola os seus justificados ressentimentos: é o princípio da liberdade.
Ele está prestes a sossobrar. Os próceres de Ditadura sufocaram a voz da Imprensa, derrogaram o princípio da greve, restringiram e burocratizaram o direito de reunião e avolumaram, pelos seus incongruentes actos de administração, a crise do trabalho.
Amanhã, quando vencedores, senhores absolutos dos destinos deste pobre povo, repetenados na sua empáfia, agindo descricionariamente, não terão pêjo em reduzir todos os trabalhadores à deprimente condição de sudras e deportar para as plagas africanas os que não se prosternem ante os seus suzeranos caprichos.
CAMARADA:
Chegou o momento de te decidires ! Estão em perigo as tuas poucas liberdades e o teu pão. Dum lado, a tôrva reacção, com todo o cortejo de expoliações e velharias, empunhando o ceptro e a corôa ; do outro, ainda que mal representada, a liberdade na efígie da República. Contudo, é preferível decidirmo-nos por esta. Então, ÀS ARMAS !
Que o sacrifício do nosso sangue em revolta sagre as ideias que nos animam e faça arripiar caminho àqueles que dele se têm servido em conjunturas idênticas.
A nossa liberdade tem que ser conquistada com o nosso esforço. Reivindiquemos com a nossa acção uma parte dessa liberdade !
Que nenhum operário deixe de cumprir o seu dever !
ÀS ARMAS, POIS !
O encerramento do nosso órgão, A Batalha, as prisões em massa levadas a efeito por um governo despótico, devem ser incentivo suficiente para que todos os operários abandonem o trabalho e acorram aos pontos que oportunamente lhes serão indicados para agirem em defesa da liberdade.
A partir de hoje, a Câmara Sindical de Trabalho e o Comité Pró-Unidade declaram a greve geral revolucionária.
Cumprindo com esta deliberação o seu dever, esperam que todos os operários saibam cumprir o seu.
ÀS ARMAS, PORTANTO !
A Câmara Sindical de Trabalho
O "Comité" Pró-Unidade
Em virtude de se encontrarem seladas as sedes das centrais operárias de Lisboa, esta proclamação, não pode, por este facto, levar o respectivo label confederal.
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Este apelo das centrais operárias de Lisboa à greve geral revolucionária e à insurreição armada contra a ditadura fascista não está datado, mas é seguramente de 5 ou 6 de Fevereiro de 1927, pois A Batalha e a CGT foram assaltadas pela polícia na noite de 5, sendo presos todos quantos lá se encontravam, e, em Lisboa, a tentativa revolucionária deu-se no dia 7.
Sobre a revolta de Fevereiro de 1927 veja-se nomeadamente:
http://www.jornalmapa.pt/2014/02/28/a-revolta-de-fevereiro-de-1927/
por: angelo barreto